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  • Daniela Pereira e Bruno W. Tomio

Conhecer pedalando o circuito das araucárias: um diário de amor


Um dos objetivos do Projeto Conhecer Pedalando é conhecer lugares, belezas naturais, pessoas, e culturas, com intuito não apenas de conhecer, mas de divulgar e disseminar as experiências e vivências obtidas nas pretendidas buscas. Buscamos conhecer o proposto por meio da bicicleta quando possível, pois acreditamos que além de seus inúmeros benefícios ambientais e sociais, a mesma também oferece uma experiência e relação com os lugares e as pessoas de forma única e diferenciada dos meios de transportes motorizados. Diante do exposto temos muita alegria em podermos estar compartilhando esta, que foi uma cicloviagem inédita para o Conhecer Pedalando. Com certeza todas as aventuras que realizamos até aqui foram únicas e inesquecíveis, no entanto esta contou com um toque especial, o toque do amor que se espalhou pelas maravilhosas belezas de cada uma das cinco cidades percorridas durante nossa aventura amorosa pelo circuito das araucárias.


Uma aventura que trouxe para o nosso projeto mais uma integrante, Daniela Pereira, menina, moça, mulher, e às vezes até senhora, a historicidade e sociabilidade a caracterizam de diferentes formas. Seu gosto, admiração e respeito pelas diferentes formas e relações da vida a fizeram professora de ciências e biologia, e também educadora ambiental. Por acreditar que a sociedade não é imutável, dedica-se árduamente a docência, pois crê que possa contribuir para a polinização da manutenção e reprodução da vida natural, mas também contribuir para elevação das consciências acerca da vida concreta e de suas contradições, na busca da verdadeira dignidade e liberdade humana. E como a profissão é fruto de gostos pessoais, por isso biologicamente falando, seu corpo adora níveis elevados de adrenalina, noradrenalina, dopamina e todas as “inas”. Por isto aventurar-se por aí afora por meio das rodas da sua bicicleta e do esforço de suas pernas são uma de suas grandes paixões. A bicicleta e as trilhas a proporcionam experiências, histórias, visões e sentimentos únicos e inesquecíveis. Com toda certeza a admiração, contemplação e reflexão da e sobre a natureza e suas relações estão entre as suas grandes paixões, e quando isso é possível de ser feito com pessoas que ama, a felicidade é completa. Mas não é só de aventura e da profissão que vive este corpo, a música (de preferência o rock nacional), os livros (críticos e reflexivos), o cinema (nacional), as comidinhas (dos seus pais e da vó), a culinária regional (o que seria dessa menina sem cuca e feijão), os bailes gaúchos (dançar uma moda é “bão” demais) e os momentos em família são outras formas deste corpinho liberar muita serotonina e se fazer muito feliz, demais da conta!


E é juntamente com ela que vamos compartilhar a partir de agora todas as nossas emoções, anseios, angústias, vivências, alegrias, amor e principalmente a nossa práxis, pois comungamos do mesmo ideal: a busca pela emancipação humana!


Emancipar-se é ser livre, sabemos que ainda não alcançamos a liberdade plena, mas temos certeza que nós já nos libertamos de muitas coisas que nos amarravam e alienavam, e estar aqui compartilhando esta experiência com vocês, com certeza é uma das nossas buscas constantes pela liberdade do ser, do nosso ser e estar no mundo.


E foi por meio dessa incrível e amorosa cicloviagem que tivemos o prazer de vivenciar parte desta liberdade, e é sobre ela que versará nosso relato: A liberdade vivenciada nos caminhos do circuito das araucárias.


A cicloviagem pelo Circuito das Araucárias iniciou-se no dia 20 de julho de 2019, no entanto já planejámos ela alguns meses antes, conferindo o roteiro, preparando os equipamentos e claro, pensando quais seriam os cardápios de acampamento durante esta cicloviagem. Mas é claro, nem tudo saiu como o planejado, mas a gente tentou, e é um pouco disso e muito mais que vamos compartilhar aqui com vocês.




Primeiro dia


O roteiro original do Circuito das Araucárias inicia-se na cidade de São Bento do Sul, no entanto para nós tornava-se mais fácil iniciar pela cidade de Jaraguá do Sul e depois irmos sentido a São Bento do Sul, e foi justamente o que fizemos. Saímos da cidade de Jaraguá do Sul ás 11h da manhã, os planos já começaram mudar aí, pois fomos surpreendidos com o pneu furado de uma das bicicletas, motivo este que tardou nossa saída. Mas pneu arrumado, lá fomos nós, viver nossa primeira longa cicloviagem de amor, esse casal com sede de aventura aportou na cidade de Corupá, mas nossa passagem por lá foi breve, apenas com parada para um almoço tardio e já em seguida seguimos para o nosso destino do dia, o Parque das Aves em São Bento do Sul.



Ficamos encantados com as belezas do que nos levavam de Corupá a São Bento do Sul, passamos por estradas rodeadas pelo verde da mata atlântica, nutrida pelas águas do Rio Natal, já pertencente a São Bento do Sul e com vizinhança para uma das vistas mais lindas do caminho, o Morro da igreja, uma formação rochosa com cerca 840 metros de altura, a qual pode ser realizada a prática de montanhismo, mas como nosso objetivo desta vez não era fazer trilha e nem montanhismo, nos contentamos em contemplar a beleza da formação rochosa lá de baixo mesmo, na estrada geral de Rio Natal. Ao olharmos aquele incrível cenário achamos que ali caberia eternizar na forma de registro fotográfico toda aquela beleza e amor (foto da capa), talvez vocês concordem, mas achamos que esta foi uma das fotos mais bonitas e românticas de toda esta viagem.


Seguindo adiante, chegamos ao nosso destino do dia, o Parque das Aves, que trata-se de uma propriedade particular, mas que pode ser acessada pela população desde que se faça o pagamento da entrada. Além das trilhas e contemplação das aves, o espaço também oferece camping e restaurante mediante reserva antecipada. Foi neste local que ocorreu nossa primeira noite de acampamento na cicloviagem, e que noite! Nossa primeira missão após um banho pra relaxar foi armar a barraca, em seguida a missão mais importante, matar quem nos matava, a fome! Lá fomos nós, entre panelas, fogareiros e dois cozinheiros de mãos cheias, saiu um macarrão com molho de tomate que ficou até palatável, infelizmente as condições de acampamento não nos permite um cardápio mais elaborado, o macarrão é uma boa opção levando em consideração a praticidade. De pança cheia e panelas organizadas, nos dirigimos para a barraca para descansar o corpinho.




Segundo dia


Amanhecemos ao som de saíras, canários, tucanos e tantas outras aves que tornavam a melodia da canção dos pássaros juntamente com a melodia do som das águas do rio, a canção mais linda e serena da natureza. Nosso dia estava só começando, hora de organizar tudo nos alforjes e tomar aquele cafezão pra dar como diria a minha vó, muita sustância. E já adianto, foi mesmo de encher a pança, os senhor e senhora PionteKewicz, responsáveis pelo restaurante do parque, nos preparam um café magnífico, foi mesmo de lamber os beiços. Ah gostaria de adiantar mais uma coisa, esse cafezão salvou o nosso dia.


Por volta das 8h30 da manhã, embarcados em nossas bicicletas seguimos em direção a Campo Alegre e mal sabíamos que esse seria o dia de arrancar os pelegos. Mesmo tendo nos planejado para o circuito, algumas informações de alguns trechos ficaram despercebidas, por exemplo que o trecho de São Bento do Sul a Campo Alegre tinha a maior altimetria de todo o circuito, cerca de 1529m de ascenção, sendo o nível de dificuldade 5, de uma escala que vai de 1 a 5. Infelizmente essa informação despercebida nos custou sol no couro, muito suor, cansaço, fome e porque não dizer, um pico elevado de cortisol, visto que passamos o dia sem comer, nos mantendo com bolachinhas, pois não havia comércio na região e passamos o dia subindo e descendo morro, é incrível dizer, mas por muitos km as paisagens eram exatamente iguais, uma descida e uma subida, uma descida e uma subida, na metade do caminho parecia que não iriamos chegar e que as energias se esgotariam. Mas enfim uma trégua, chegamos ao trilho do trem, lá em cima conseguimos respirar, tomar uma água e pra nossa sorte naquele dia havia o passeio de Maria Fumaça que iria de São Bento a Rio Negrinho, mesmo em meio a tanto cansaço, sobravam ainda energia para correr no trilho do trem e fazer um belo registro fotográfico da Maria Fumaça vindo ao nosso encontro, e que belo registro!



Nessas alturas já estávamos com menos da metade do dia disponível e muitas pedalas para dar. Seguimos então, pois nosso destino ainda estava longe, o caminho era agora sem muitos atrativos, um região com pouquíssimos moradores e adivinha, muitos morros, mas em uma descida destes morros uma surpresa, um local que marcaria nossa vida para sempre, estava ali escondida entre pinheiros uma pequena e formosa capelinha amarela que ao ser avistada chamou nossa atenção e nos fez voltar para conhecê-la. Ao entrarmos na pequena capelinha tivemos a certeza, é aqui que oficializaremos a comédia do nosso casório fotográfico. E lá fomos nós, Bruno foi preparar as luzes e melhor posicionamento da câmera e Dani, foi caminhar em meio aos Pinus em busca de suas folhas, pois seu formato aciculiforme era perfeito para a confecção de nossas alianças. De alianças prontas e ângulo ideal, realizamos diante de risos, brincadeiras e muitas palhaçadas nosso casamento fotográfico na capelinha amarela localiza logo em baixo de uma das descidas daquele trajeto que parecia monótono, mas que nos apresentou o local perfeito para efetivar os laços amorosos deste casal aventureiro, feliz e cheio de amor.


Vocês acham que o dia acabou? Que nada os “MORO” pareciam sem fim, mas o dia estava próximo do fim e à noite se aproximava, a lanterna acabará sua energia, a fome aumentava e a pousada não chegava. Os últimos km pareciam eternos, nossos estômagos estavam nas costas, nossas pernas acho que nessas alturas já faziam fotossíntese para conseguirem se mexer, não acreditamos quando lá do alto víamos as luzes iluminando Campo Alegre, ali estava a cidade que mataria nossa fome e descansaria nossos corpos. Obviamente, neste dia nos demos ao luxo de ficarmos em um hotel, pois as condições físicas não nos possibilitavam ir até o destino final do próximo trecho do circuito, que seriam ainda mais 12 km para acamparmos na pousada casa antiga. Estávamos um farrapo, queríamos a comida e a cama mais próxima disponível. Mas com certeza entre as duas opções, queríamos primeiro a comida. Foi então que seguimos para o centro da cidade em busca de um restaurante que saciasse a nossa fome. Chegando ao centro fomos surpreendidos com uma grande festa que acontecia na cidade, a 16º festa de inverno de Campo Alegre, naquelas alturas já nos sentíamos em casa, e já fomos entrando no clima da festa, logo de cara fizemos um vídeo pra lá de animado que contava com a participação dos campo alegrenses, mas a contemplação da festa propriamente dita deixamos para depois do momento ápice da noite, matar a nossa fome. Após jantados aí sim, seguimos para a festa e adivinha o que tocava quando entramos no pavilhão? As músicas dele mesmo, nosso memorável e eterno Raulzito, curtimos sua música embebidos por um delicioso quentão que aquecia aquela noite exaustiva, mas porém alegre, na cidade de Campo Alegre.



Terceiro dia


Amanhecemos em Campo Alegre, e mais uma vez tomamos aquele café pra lá de reforçado, incrível, mas comemos tanto, tanto, que como diz minha mãe, parecia que tínhamos passado à noite amarrados. Afinal de contas, era pra uma precaução do que poderia vir, ainda mais diante da experiência do dia anterior.


Café tomado, seguimos para um dos atrativos da cidade de Campo Alegre, a Cascata Paraíso localizada já no centro da cidade e com um acesso muito fácil, admiramos a sua queda lá de baixo, mas ao descobrir que havia uma trilha que possibilitava sua visibilidade lá de cima, não nos contentamos e lá fomos nós. Com certeza a vista de lá de cima foi ainda mais incrível, além de poder ver a cascata do alto, avistamos também boa parte da cidade de Campo Alegre. E por lá ficamos lagarteando, tirando fotos, fazendo vídeos e claro, amando todos aqueles momentos que duraram algumas horas. Trechos e desafios do percurso cinematográfico da trilha podem ser conferidos nos dois vídeos "hilários" que tentam representar "artisticamente" o caminho de dificuldade moderada em uma aventura desafiadora. O primeiro vídeo demonstra que estávamos num mato sem cachorro, o segundo vídeo apresenta a encenação de alguns desafios do caminho.



Vídeo 1:




Vídeo 2:





Tirando os trechos das filmagens, tudo naquele dia foi feito com mais tranquilidade devido o cansaço do dia anterior. A calmaria toda fez com que nos atrasássemos para o almoço na cidade, já ficávamos preocupados, poxa vida, será mais um dia sem almoço?! Mas o melhor estava por vir, como já passava das 14h os restaurantes já fechavam, mas um deles ainda nos atendeu, foi aí que veio a felicidade, além de boia pra nós, o rango saiu por dez pila, pensa na nossa alegria, de pança cheia e por bem pouco.


Almoçados, seguimos para a pousada Casa Antiga, um trajeto bonito que perpassava por longas estradas de subidas e descidas, típicas de Campo Alegre, margeadas por belas florestas de Araucárias. No finalzinho da tarde chegamos ao nosso destino, mas o que não sabíamos é que não havia local pra acampar, lá haviam apenas quartos para alugar. Mas o pior estava por vir, quando chegamos na pousada encontramos um local muito bonito, com um grande gramado verde margeado por um rio e logo mais, um galpão rústico de portas abertas, onde funcionava o restaurante para hóspedes, detalhe parecia estar largado, sem a supervisão de ninguém. Chamamos, chamamos e ninguém nos atendeu. Pensamos, lugar para armar a barraca tem, vamos fazer isso e depois vemos no que dá. Foi o que fizemos, lá pelas tantas da noite surgiu um carro, e dele sai um menino correndo que vai fechar as portas do galpão. Caminhamos em direção ao carro, ao pronunciar boa noite, quase matamos a dona do galpão do coração. Ela não esperava que aquela hora da noite, em um lugar pacato como aquele, pudesse surgir alguém do nada. Mas menos mal, ao que tudo indicou ela não era cardíaca e se recuperou em seguida do baita susto. Em poucos minutos já trocávamos assuntos e com muita simpatia nos acolheu e permitiu que deixássemos nossa barraca no lugarzinho que estava, que diga-se por sinal, era o lugar perfeito, à margem do rio e entre lindas árvores. Mas claro, como o lugar não era adaptado pra camping, ficaríamos sem banheiro, mas a hospitalidade da dona da pousada foi tanta, que deixou que por aquela noite usássemos o banheiro de um dos chalés.


Barraca liberada, seguimos para elaboração do nosso janta, um pouco inusitado, naquele dia decidimos comer algo que não é habitual da nossa alimentação, fizemos sopão, sabe, aquela sopa industrializada que rende um monte? Pois é, essa mesma. Sopa pronta, jantamos e então nos recolhemos, mal sabíamos que à noite só estava começando. Cerca de uma hora após termos nos recolhido, um dos integrantes deste casal de aventureiros começou a ter um revertério na barriga, uma cólica, uma cólica que não teve saída, foi uma corrida em direção ao banheiro do chalé, e pior, o chalé não era do lado. Barbaridade, aquela corrida da barraca para o chalé durou à noite toda, foi feia coisa.


Quarto dia



O dia naquela barraca amanheceu numa fraqueza que parecia sem fim, um enjoo que parecia mulher grávida. Mas era necessário colocar alguma coisa pra dentro do estômago, fizemos então nosso café solúvel e nosso mingau de água, era isto que nos nutriria pelas próximas horas. Café tomado, tínhamos que seguir de qualquer maneira, com enjoo ou sem enjoo. Juntamos às coisas, colocamos nos alforjes, e lá fomos nós em direção a São Bento do Sul, ou melhor era para onde deveríamos ter seguido, mas como conosco as coisas não costumam sair como o planejado, o roteiro acabou sendo outro. Seguimos viagem, no entanto os prejuízos daquele sopão dos diachos nos acompanhou o dia todo, como Campo Alegre é uma cidade do planalto, as subidas e descidas eram típicas ao longo de todo o trajeto, a cada descida parecia que aquele sopão voltada do estômago em direção ao esôfago, desse jeito as pedaladas se tornavam cada vez mais lentas, pois além do enjoo que era companheiro, o trajeto não contava com estabelecimentos comerciais, e assim mais uma vez ficamos sem um almoço descente, sentamos ao lado de um barranco e recorremos ao nosso estoque de atum, milho verde e torradas, e esse foi o nosso almoço naquele dia. Como já era de se esperar, houve uma mistura de atum com sopão que caiu de maneira descontente no estômago, tornando o trajeto ainda mais lento e desconfortável, à noite foi caindo e vimos que não teríamos condições de chegar a São Bento do Sul na pousada Ponte de Pedra, e sem muita escolha, precisamos cortar parte do caminho e seguir novamente para o hotel de Campo Alegre, é isso mesmo, voltamos mais uma vez a Campo Alegre, jamais imaginávamos que passaríamos tanto tempo nesta cidade, com idas e vindas, até parece que ela era a nossa válvula de escape, diante as intempéries do caminho.


Quinto dia

Agora sim, acordamos convictos que chegaríamos neste dia a São Bento do Sul, afinal de contas a passagem por esta cidade seria rápida, pois do ponto onde estávamos em Campo Alegre era bem próximo de nosso primeiro destino do dia, a pousada Casa de Pedra. Então após aquele maravilhoso café no hotel, seguimos nossa cicloviagem até a pousada, e por lá passamos um bom tempo do nosso dia fazendo registros fotográficos e filmagens daquela paisagem exuberante. A pousada Casa de Pedra leva este nome justamente por estar localizada ao lado de uma ponte construída de pedra no ano de 1886, mas hoje a ponte encontra-se desativada e sua principal função é a contemplação de seus visitantes. Após muitos registros de mídias, seguimos com nossa cicloviagem, agora com destino a Rio Negrinho.



O trajeto inicial deste caminho era muito parecido com as estradas de Campo Alegre, subidas e descidas margeadas por fragmentos de florestas de Araucárias, e alguns poucos sítios com pastagens para criações de gato, ovelha e outros animais. Aos poucos a paisagem do caminho foi se modificando, as subidas ficavam menos íngremes e no lugar de pequenos fragmentos de araucárias e pastagem que ocupam as margens da estrada, agora surgiam lavouras de soja e tabaco, culturas de plantações típicas daquela região. Conforme fomos nos aproximando da cidade de Rio Negrinho, a paisagem se modificava ainda mais, mas agora infelizmente os fragmentos de araucárias, as pastagens e as plantações são substituídas por enormes desertos verdes, popularmente conhecidos como reflorestamentos de Pinus. Esta foi a paisagem que percorremos por longos km, inclusive parte do trajeto do circuito adentrava estes reflorestamentos de Pinus para o nosso descontentamento, pois não esperávamos que eles fossem compor o trajeto, visto que entre as propostas do próprio Circuito das Araucárias, é a contemplação das belezas naturais do caminho e com bem sabemos, este tipo de cultivo não tem nada de belo, pois está envolto por inúmeras problemáticas de cunho socioambiental. Infelizmente percorrer este trecho do circuito foi uma verdadeira decepção.

Ao sairmos de um destes reflorestamentos já conseguíamos avistar lá de cima parte da cidade de Rio Negrinho, e assim o destino final daquele dia já iria se aproximando, sendo nossa próxima missão encontrar a casa que iríamos pernoitar naquela noite, pois para a nossa alegria de aventureiros, desta vez o poso sairia na faixa, sem gastar nenhum tustanzinho. Mas na busca por encontrar a casa, já dava um frio na barriga, pois à noite se aproximava e não encontrávamos o endereço, cujo qual havíamos marcado horário com o dono que nos cederia a casa naquela noite. Parece dois aventureiros perdidos com bússola não é mesmo? Ou pior, com GPS. Mas é que o mediador com o dono da casa era o pai da moça aventureira, e infelizmente ele não era lá muito ágil com a tecnologia, o que acabou acarretando um acesso mais lento ao local. Mas depois de algumas voltas, encontramos o proprietário da casa, um médico obstetra conhecido na cidade, o senhor Gilberto, que nos acolheu rapidamente em seu consultório e nos levou para apresentar a casa. Chegando lá a recepção não foi das melhores, ele tinha uma pentelha de uma cachorra sarna, que teimava em nos avançar, acho que ela não foi muito com a nossa cara, nem nós com a dela. No entanto o episódio de loucura daquela cadela durou pouco, pois Sr Gilberto levou-a junto com ele, assim que se despediu de nós, ufa pensamos, essa por hoje não perturba mais. Assim usufruímos da cortesia e oferta do pouso na boa residência do Sr. Gilberto.

Sexto dia

Após uma noite restauradora e um bom café da manhã, claro não era farto como o do hotel de Campo Alegre, mas como foi feito por um casal apaixonado, ele tornou-se ainda mais gostoso, pois tinha pitadinhas de amor. Café tomado, arrumamos mais uma vez nossos alforjes e pé na estrada. Neste dia teríamos uma longa quilometragem para percorrer, então acordamos cedo, pois antes de irmos para a próxima cidade, tínhamos curiosidade de conhecer um dos pontos turísticos de Rio Negrinho, a estação ferroviária. E foi para lá que nos dirigimos no início da manhã.

Atualmente a estação funciona de maneira mais limitada, servindo como garagem de locomotivas antigas, acervo de peças antigas que compõe o pequeno museu da estação ferroviária, e algumas linhas férreas, em especial de atração turística. A estação foi inaugurada em 1913 no período da Guerra do Contestado, compondo a Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande, e servindo aos interesses extrativistas e gananciosos da empresa norte-americana Brazil Railway Company, de propriedade de Percival Farquhar, que também era dono da madeireira Southern Brazil Lumber & Colonization Company. A construção e origem do trecho ferroviário foram a base de suor e sangue dos povos caboclos, expulsos ou mortos por numa tramoia envolvendo os “coronéis” da região, o estado, e as companhias norte-americanas. Deixamos aqui uma breve menção de reconhecimento e homenagem a partir do nome de José Maria, grande liderança dos caboclos, camponeses e operários que resistiram e lutaram pela terra e pela vida naquela região que até os dias atuais sofre dos efeitos e marcas do subdesenvolvimento local deixada pelo genocídio do contestado (pesquisas estimam mais de 20 mil mortos).


Hoje em dia, como dito anteriormente, existe locomotivas em funcionamento, mas com maior destaque ao foco turístico, levando seus passageiros em datas pré-agendadas em um passeio partindo da cidade de Rio Negrinho até Corupá. Informações mais detalhadas sobre os passeios podem ser encontradas no site www.abpfsc.com.br. Confessamos que ficamos muito entusiasmados em realizar o passeio, pois não nos contentamos apenas com inúmero registros fotográficos feitos do lado de fora da locomotiva, com certeza em uma próxima aventura, os registros serão dentro da locomotiva e com ela em movimento. Mas enquanto isso, vamos terminar nossa cicloviagem.


Partimos agora para São Bento Sul, isso mesmo, novamente a São Bento, por incrível que pareça o circuito leva a esta cidade por três vezes, mas sempre em locais diferentes, nas duas vezes anteriores conhecemos partes das regiões interioranas deste município, no entanto este trecho final levava para o centro da cidade de São Bento do Sul, na verdade este trecho seria o ponto de saída do circuito, mas lembra que nós começamos de trás pra frente? É que se não for pra ser diferente não tem graça né! Então lá fomos nós, bicicleta na estrada e já adianto, bicicleta e pé na lama queridos leitores. Isso mesmo, os primeiros km com saída de Rio Negrinho, novamente passava por trechos de reflorestamento, no entanto desta vez, além do deserto verde, encontramos também uma estrada que mais parecia ser de rally do que de cicloturismo, pois como havia chovido na noite anterior a estrada estava toda molhada e ainda com o agravante de estar localizada em meio a um reflorestamento, obviamente o tráfego ali na sua maioria era de caminhões e tratores, deixando a estrada praticamente intransitável para bicicletas. Não é de se gabar mas durante todo o trajeto, mesmo diante de morros muito íngremes, não descemos da bicicleta em nenhum momento, mas naquele trecho, subir os morros em cima da bicicleta foi impossível diante do lamaçal que se encontrava aquela estrada.

Mas felizmente, ao terminar os reflorestamentos a estrada voltou ao normal, inclusive nos moldes que vocês já conhecem, adivinha? Isso mesmo, subida, descida, depois mais uma subida, mais um descida e assim foi até nos aproximarmos da cidade de São Bento do Sul. Este foi o dia em que mais pedalamos, pois era o trecho com maior quilometragem de todo o trajeto, em virtude da quilometragem e também de todos os ocorridos, acabamos anoitecendo mais uma vez na estrada, e pra variar ficamos mais uma vez sem luz, o que nos obrigou a desviar de parte do trajeto e cortar caminho para chegarmos logo a cidade, pois estávamos no meio do nada e sem luz, o que dificultava a visibilidade e deixava o trajeto mais perigoso. Cortamos caminhos, aceleramos as pedaladas e enfim chegamos no início da cidade, mas sem saber ao certo aonde iriamos pernoitar e jantar. No entanto, ainda antes de chegarmos ao centro encontramos um jovem ciclista super disposto a nos ajudar e nos acompanhar até o centro da cidade em busca de um bom local para passarmos à noite e jantarmos. Há uma curiosidade, o jovem ciclista há cerca de 3 anos hospedou em sua casa um colega nosso, também cicloviajante que passava pela cidade durante sua viagem pela América do sul. Interessante né?! A vida é mesmo assim, possibilitando encontros e as vezes desencontros. Nosso dia ainda não acabou, a cereja do bolo ainda estar por vir, a procura de um bom local para comer, encontramos uma pizzaria super convidativa pois além de seu rodizio de pizzas e delicioso buffet de sopas, incrivelmente custava por pessoa menos de 20 conto e mais, foi nessa pizzaria que pela primeira vez na vida comemos pizza de açaí, uma verdadeira delícia.




Sétimo dia


Amanhecemos em um hotel popular da cidade de São Bento Sul, e ao descermos para tomarmos café ficamos decepcionados, ficamos mal acostumados com os deliciosos cafés servidos em Campo Alegre e em Rio Natal, era o mesmo que fazer o comparativo das comidas de acampamento, era como se em um dia tivéssemos feito mingau com leite, banana e mel e no outro, mingau de água e aveia. Brincadeiras a parte, o café era bom sim, mas o de Campo Alegre, era mesmo de lamber os beiços duas vezes. Café tomado, alforjes organizados, partiu Corupá, cidade que aportará esse casal de cicloviajantes apaixonados.


Este com certeza foi um dos trajetos mais belos que percorremos, uma estradinha mais bela que a outra, formada obviamente como era de se esperar, por muitas subidas e descidas, caso contrário não estaríamos no Circuito das Araucárias. Mas as estradas tinham um charme especial, de modo geral eram estreitas e com muitas curvas, margeadas no seu início por campos de pastagens, e logo depois as margens eram ocupadas por lindas árvores que compõem a mata atlântica, assim como por várias passagens em meio a corpos d’água que desaguavam no rio já logo a nossa direita. Não havia como não se encantar e contemplar de todas as formas aquelas belas paisagens, os vídeos feitos foram inúmeros, as fotos foram incontáveis, e que fotos! Um mais linda do que a outra, com certeza valeram todo o empenham para ser tiradas. Ainda não contei sobre isso, mas nossa câmera fotográfica não é das mais modernas, conta apenas com visor óptico, portanto sem visor digital e também não possuímos tripé. Logo já da pra imaginar que cada parada para uma foto, lá se iriam preciosos minutos, às vezes até passava de uma hora. Mas cada imagem registrada com certeza foi feita com muito amor e carinho, mesmo diante da trabalheira que foi para tirar cada uma elas.

E assim fomos percorrendo nosso caminho até chegarmos ao destino do dia, a cidade de Corupá. Lá mais uma vez ganhamos um pouso na faixa, desta vez quem nos acolheu foi nossa querida amiga e colega de profissão Regiane, juntamente com seus gatos Thor e Pandora, seu companheiro Ubirajara e seu filho Enzo. E lá não ganhamos apenas pouso, mas também uma acolhida muito simpática, carinhosa e claro, porque não dizer deliciosa, pois Regiane preparou para seus hóspedes aventureiros um prato extremamente saboroso, batizado pela família como galinha descabelada, ainda bem que era descabelada, tivesse penteada quem sabe não seria tão gostosa rsrs.


Oitavo dia


Último dia da nossa amorosa cicloviagem. Após tomarmos café com nossos simpáticos anfitriões, mais uma vez e a última desta cicloviagem, arrumamos nossas coisas nos alforjes e lá fomos nós, o destino hoje seria longo, pois retornaríamos para Blumenau, mas com certeza não poderíamos passar pelas cidade das rotas das cachoeiras sem visitá-las. Então este foi o nosso destino inicial, mas como sabíamos que iriamos demorar para chegar até lá e fazer todo o percurso das trilhas das cachoeiras, paramos antes em uma padaria e compramos convencionalmente nosso pão francês e nossa linguiça, item alimentício indispensável em uma cicloviagem, ah descobrimos isto nesta viagem. Compras feitas, seguimos para a rota das cachoeiras, chegando lá, antes de iniciarmos a trilha comemos nossos sanduíches de linguiça, energizamos o corpo com uma boa carga de carboidratos e lipidios e então iniciamos a trilha.


A rota das cachoeiras conta com 14 quedas que podem visitadas por trilhas seguras e bem sinalizadas, no entanto caso os visitantes sejam como nós, parem para conversar, tirar fotos e claro, namorar, chegue cedo! Pois neste ritmo levamos mais de quatro horas entre ir e voltar, e o parque tem horário para fechar, por isso é importante não se atrasar muito. Mas tenha certeza, a beleza daquele lugar é espetacular vale cada subida e resbalada da trilha. Uma cachoeira difere da outra, cada uma com singularidades indescritíveis, e justamente por faltar palavras para descrever tanta beleza da natureza, é que fizemos registros fotográficos e filmagens de cada uma delas.





Com certeza é um passeio lindo aos olhos humanos. No entanto toda essa beleza nos tomou a tarde, chegamos na portaria no laço, o guarda já nos esperava ansioso para fechar o parque, desnecessário dizer, mas nós não temos muita familiaridade com o relógio e é justamente por isso que passamos muitos dos nossos apertos ao longo dos caminhos percorridos. Saímos do parque com chuva e isto já era próximo das 19h. Lembrando, nosso destino neste dia era Blumenau. Sim, nós somos loucos e muitas vezes desorganizados. Pedalamos até o centro de Corupá, lá abastecemos o tanque e seguimos pedalando durante à noite, nossa pretensão era ir pedalando até Jaraguá do Sul, no entanto ao pedalar pela rodovia, quase sem acostamento, sentimos muito medo diante do perigo de sermos atropelados por algum maluco desorientado em pleno sábado, quando as rodovias estão mais movimentadas. Foi então que decidimos parar em um posto de gasolina, guardar as bicicletas e chamar um motorista de aplicativo. Detalhe, nunca antes havíamos usado o aplicativo, perdemos um maior tempão até nos acharmos nele. Enfim, quando conseguimos isto já era passado das 22h. Chegou o motorista e seguimos para Jaraguá do sul, lá pegamos o carro e o transbike e retornamos a Corupa para buscar as bicicletas, chegamos no posto, carregamos as magrelas e seguimos a procura de algum lugar que tivesse comida, naquela alturas nossos estômagos roncavam feito tratores. Em Jaraguá do sul encontramos uma pizzaria que ainda estava aberta, neste dia demos muito prejuízo para aquele dono, porque comemos muito, muito mesmo. De pança cheia, melhor quase regurgitando, entramos no carro e seguimos para Blumenau, detalhe isso já passava longe da meia-noite. Então seguimos, destino final, Blumenau. No entanto aquelas alturas da madrugada, o cansaço era enorme, os olhos pesavam a ponto de não comandarmos mais o nosso corpo, foi inevitável, precisamos encontrar um local seguro e parar para dormimos um pouco em um ponto sem nome, na cidade de Pomerode. Passado cerca de uma hora, acordamos e continuamos nossa viagem. Parecia que já estávamos bem para continuar, mas aí que nos enganamos, cada minuto, cada metro percorrido sem dormir, era mesmo uma vitória, por conta de todo esse sono dirigir se tornou uma lentidão. Aquele caminho parecia infinito e aquele dia sem fim, sinceramente, nunca desejamos tanto que um dia e uma viagem acabasse.


Pronto, chegamos a Blumenau próximo das 3 horas da madrugada. Sim, nossa viagem chegou ao fim e claro, com os corpos esgualepados, mas com o coração transbordando amor, a alma leve, e o rosto com muitas linhas de expressão, daquelas que a gente fica quando ri um montão. Os caminhos percorridos nos revelaram a graça onde seria tédio e a comédia onde era medo, juntos nos tornamos os protagonistas da trama escrita por nós, sem previsões de roteiro, mas cheia de emoções. “Descobrimos que juntos somos a resposta exata do a gente perguntou, entregues num abraço que sufoca o próprio amor, cada um de nós é o resultado da união de duas mãos coladas numa mesma oração. Coisas do coração!”

E agora ao escrever cada linha dessa história, re vivemos intensamente cada um daqueles momentos únicos, incríveis e inesquecíveis. Sim, recordar é viver! Recordar é reviver novamente cada momento, cada história...



Segue abaixo um vídeo com alguns dos caminhos percorridos durante a cicloviagem aqui relatada:



Mais registros fotográficos dos caminhos e experiencias desta cicloviagem podem ser acessados no seguinte álbum da fanpage do Conhecer Pedalando no Facebook: https://www.facebook.com/conhecerpedalando/posts/3161215030649572


Obrigado e até a próxima!

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